Se essa é a interpretação honesta da sigla NPC nas suas
aventuras, meu amigo... Você mestra ERRADO!
RolePlaying Game e um Game de RolePlay, certo? Um jogo
onde o jogador interpreta seu personagem. Duas ou mais mentes criativas se
juntam pra tecer uma história em conjunto. O que toda boa história precisa? Um
protagonista. Toda história tem o seu protagonista. Às vezes o protagonista é
uma catedral ou um anel, mas em todas as outras é uma pessoa (ou um grupo de
pessoas). Quando o mestre esquece que o protagonista é o jogador, a diversão
acaba.
Vou entrar um pouco no estudo de mitos e técnicas deroteiro de Christopher Vogler aqui e adaptar um pouco isso para a narrativa de
jogos interativos e não de histórias prontas. Em qualquer história, os
protagonistas (os jogadores) encontram numerosos coadjuvantes (NPCs) que
impulsionam a sua jornada:
1. Mentor
É triste a quantidade de narradores que tornam seus
jogadores reféns dos seus NPCs todo-poderosos e tornam uma história que poderia
ser tão boa em tédio e frustração. Claro que todos os universos existe um Gandalf/Obi-Wan
Kenobi/Sr. Miyagi, pois é importante pro jogador saber que há alguma força
maior do que ele na qual ele pode se garantir em algum momento. Especialmente
se o jogador decidir quando é esse momento. De vez em quando
é bacana ser salvo pelo grande mestre numa hora em que a morte é certa, os
dados estão de sacanagem, ou o grupo tentou abocanhar uma preza maior do que
consegue mastigar. Mas é um erro muito crasso fazer com que cada mínimo desafio
seja tão intransponível que os jogadores sintam que são inúteis e que o grande
mestre não precisa deles pra nada. Sempre dê uma fraqueza pra esse mestre. Pode
ser velhice, um contrato, algum lugar que dependa da presença constante desse
mentor... alguma kryptonita pra que os jogadores façam o trabalho de protege-lo
de vez em quando e pagar um pouco dessa dívida. É isso, essa cumplicidade, que torna o NPC querido
pelas pessoas que estão jogando. É bom ter em quem confiar.
2. Aliados
Os NPCs são a cor do mundo. São o que torna o jogo uma
experiência mais pessoal e mais profunda. Os NPCs existem para se relacionar com os PCs. Cada um
deles serve pra ambientar, guiar, desafiar e instruir. Há NPCs que são “apenas”
background (e esses costumam ser os preferidos dos jogadores), como os pais de
um PC, esposa, filhos, amigos não-combatentes... Eles podem ser poderosos
aliados simplesmente por proporcionarem ao Herói um lugar de descanso, onde ele
pode se recuperar das feridas e se preparar pro próximo desafio. Os NPCs não
combatentes são sempre os mais ricos, porque são os mais realistas. Tenha certeza
que todo jogador tem pelo menos um em sua vida pessoal. É bom ter “fãs”.
3. Sub-chefe
Nem todo vilão é O VILÃO, certo? Nem todo inimigo que os
PCs enfrentam é o “endgame” do narrador. Se for, crie rápido uma galeria de
vilões menores pro seu Voldemort. Sauron que aparece demais perde a força! Cada
grande campanha tem várias etapas e até aventuras “onde-shot” dentro de
dungeons tem mais de um andar. Cada andar/etapa costuma ser coroado com um
inimigo mais forte, uma herança que recebemos dos videogames desde os anos 80.
Esses bosses PRECISAM SER derrotáveis. Muitas vezes eu, quando estou narrando,
gosto de usar cada antagonista desses pra irritar e desafiar um jogador
específico. Amarro-o à vida de um jogador e torno-o um nêmeses pessoal só pra
ouvir os palavrões animados quando este é derrotado. Mas é IMPORTANTE que ele seja derrotado. É fundamental que os jogadores possam, sozinhos, se livrar de seus problemas. É isso que dá a sensação de “avançar”
na história. Ver os desafios sendo vencidos um a um. Isso é o “crescendo” até o
clímax, onde o Bowser vem pessoalmente lutar contra o grupo. Os cavaleiros
tiveram que passar por doze casas antes de enfrentar o Mestre. É bom se vingar,
de vez em quando.
4. Arauto
Alguns NPCs não tem nada contra o grupo e nem nada a
favor do vilão. Às vezes eles guardam um lugar, às vezes eles só viram coisas
que o grupo não viu ainda. Esses NPCs não costumam ser combatentes. Eles
alertam o grupo de perigos futuros. Criam a expectativa do que vem por aí. Um
viajante que cruza os PCs na direção de onde eles vieram, uma estátua falante,
uma esfinge, talvez... Há NPCs que intrigam o grupo, os dá vontade de
investigar e conhecer mais do seu cenário de campanha. Nem tudo precisa (e
deve) ser sobre combate e XP. Informação pura e simples, mesmo que venha de um
desafio mental (ou, sim... se for muito pertinente, físico) é importante pra
exercitar a sagacidade dos jogadores ao
invés das fichas. É bom deixar os dados de lado, às vezes.
5. Camaleão
Outra mecânica na arte de contar histórias muito
divertida para nós, narradores, é o personagem que muda de cores, lado,
propósito, objetivo... Vegeta, Ranger Verde, Ada Wong... Alguns NPCs tem sua
própria agenda e podem se aliar aos PCs e disputarem com eles logo em seguida
(ou vice-versa). Sentir que as coisas não são “preto-no-branco” dá ao jogador
uma nova camada de imersão na história. NPCs que dividem opiniões são os
melhores e, mais uma vez, não precisam ser combatentes e não precisam derrotar
o grupo o tempo todo. É bom ser surpreendido.
6. Antagonista
O GRANDE BOSS! Darth Sidious, Ganondorf, Sauron... Eu sempre digo que quanto
menos ele aparece, mais temível ele parece. Um conselho que pode ser totalmente
ignorável pelas circunstancias: GUARDE seu vilão. Suas aparições tem que ser
rápidas e pontuais com o único propósito de aterrorizar os jogadores. A forma
como os Sub-Chefes se comportam na
frente dele, diz muito mais do que a forma como o grupo apanha dele. Mostrar
que os vilões que estão no mesmo patamar dos jogadores nutrem pavor, respeito,
idolatria, etc... pelo grande vilão é o meio de tecer a forma como os PCs (equivalente
opostos dos sub-chefes) devem se sentir em relação a ele. Tem aventuras que
pedem um primeiro confronto com esse grande vilão antes do tempo. Tem horas que
o grupo só vai respeitar/temer/etc... esse cara, se sentir que é realmente impotente
diante desse cara. É uma hora aceitável de usar o mentor pra ganhar tempo pro grupo
fugir. É bom cruzar os ts e colocar os pingos nos is.
É importante reforçar: O trabalho de derrotar o grande
vilão é DOS JOGADORES! Senão, pra
que jogar? Por que não deixar os NPCs fazerem tudo sozinhos? NÃO SALVE O GRUPO
COM SEU NPC FAVORITO O TEMPO TODO! Senão, o que impede o grupo de dizer “não”
pra missão? “Vai lá você mesmo, Lord Tudron... Você vai nos salvar quando
chegarmos lá, mesmo...” E quem tem que ditar
o que é “o tempo todo” e o que é “de vez em quando”, não é o mestre. É o
jogador! Ele é que sabe o quanto ele quer ajuda e o quanto ele gosta de ser a
donzela em perigo. O jogo serve pra divertir o jogador. A empolgação dos
jogadores tem que ser o termômetro do mestre. Quando todo e qualquer mendigo da
rua passa a ser um super lutador invencível, fica claro que seu único propósito
é colocar o jogador de volta nos únicos
trilhos que o mestre idealizou pro carrinho correr e que ele é incapaz de se
adaptar a escolhas que não previu.
Cada pixel, cada ponto de quintessência, cada átomo de
uma história está sujeito ao narrador, mas todo esse poder vem com uma grande
responsabilidade. O mestre tem que ter sempre em mente que quando ele recebe
amigos em sua mesa, ele está convidando outro ao entretenimento que ele pode
promover. Está abrindo a sua mente para as ideias que ele não teve e
personagens que ele não criou com o intuito de servir o grupo com sua
criatividade. Eu sempre digo que respeito muito qualquer um que disponha de seu
tempo pra preparar a alegria gratuita do seus amigos. Todo narrador tem que ser
respeitado, até os que ainda não pegaram o jeito.
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